sábado, 3 de maio de 2008

O meu pais


Já choveu desde aquel dia. No salão de actos da Escola de Magistério da Corunha.
Decorria o ano 1974 e eu começava a ter os primeiros contactos com o galego escrito; com as histórias de Pedrinho e Ranholas e a poesia de Rosalia nas aulas de João Verdini. Aprendia a escrever, analfabeta da minha própria lingua.

Aquel dia,Miro Casabella cantou para mim, rapariga de vila pequena, criada em galego e em labrego até os dez anos que tive de ir embora para o inferno do internado para poder estudar.
Cantou para mim, digo, porque eu ficava soa,no meio da gente que enchia o salão de actos, em tanto escuitava sua fermosa voz cantando umha canção adicada ao meu pais que, por primeira vez, não era aquela: "España es un pais mediterraneo. Crecen la vid y el olivo. Tiene inviernos templados y veranos secos y calurosos"

Eu, que sempre lhe andava a dar ao caletre, pensava nas palàvras e não me quadrava a definição.
Até que, um dia, o cura da parróquia organizou umha excursão e, ao chegar a Padrão e ver as vinhas emparradas e as casas recubertas de cuncha com flores na porta, compreendi que aquilo era Espanha e a Costa da Morte era um sitio assim, fóra de Espanha, suas videiras e seus invernos temperados. Em Vimianço, no inverno, as poças colhiam umha capa de geo e nós colhiamos os telhos de geo e chupábamos em eles de caminho à escola até que as mãos nos ficavam sem siras e não as sentíamos.






Entre a minha sainha rabela e os meus escarpins não havia nada e as pernas e os joenlhos cheios de carochas das feridas de cair nos seixos de ponta da estrada de Camarinhas, ainda sem asfaltar, quando jogava com as amigas a correr por ela. Só passavam os camiões do peixe para A Corunha e o carro que levava o correio para as vilas e aldeias entre Camarinhas e Vimianço.
As pernas, digo, miudinhas, passavam mais frio do que se possa imaginar.

Pois digo que ficava soa, absorta em aquila cantiga tão fermosa que, esa sim. Essa falava do meu pais. Do meu pais da infáncia. Do pais que eu conhecia e amava desde que tive olhos para olhar e coração para sentir. Do pais nevoento, atlántico, húmido e inexistente tanto tempo. Do pais que parecia existir só no meu coração e no dos meus vizinhos do cabo do mundo.
Assim o deixo, com esta grafia espanhola, porque assim fui meu primeiro contacto com o galego. De Portugal e a lingua comum ainda não tinha apenas ideia. Umha intuição, nada mais.

O meu país

O meu país

labrego e mariñeiro
É un recuncho sin tempo
que durme nugallán.

Q quece na lareira,
alo na carballeira
Bota a rir.
E unha folla no vento
alento e desalento,
O meu país.

O meu país
tecendo a sua historia,
Muiñeira e corredoira
agocha a sua verdá
O meu país
sauda ao mar aberto
Escoita o barlovento
e ponse a camiñar

Cara metas sin nome
van ringleiras de homes
E sin fin.
Tristes eidos de algures,
vieiros para ningures,
O meu pais.

O meu país
nas noites de invernía
Dibuxa a súa agonía
nun vello en un rapaz.
O meu país
de lenda e maruxias
Agarda novos días
marchando de vagar.

Polas corgas i herdanzas
Nasce e morre unha espranza
no porvir.
E unha folla no vento
alento e desalento
O meu país.

Erão tempos de Voces Ceibes, concertos de Raimon, De Zéca Afonso, de "Abaixo a Dentadura " e demais.

Mas, após mais de trinta anos, lembro a cantiga de Miro Casabella como um dos momentos mais emotivos e mais importantes da minha vida. Descubri que o meu pais, era um pais, com suas névoas, suas chuvias e suas ringleiras de homens cara a Suiça, Alemanha, França, Holanda ou Inglaterra na procura dum sonho.
Tristemente, esse sonho, acabou em muitos casos, traduzido a cemento e materiais de construção empregados de jeito asobalhador, mas, esse é outro cantar.
O caso é que, um dia, procurando a cantiga de Miro Casabella, descubri que não existem apenas cópias mas, hà um grupo galego, Luar na Lubre, que recolheu o tema e faz umha versão diferente, mas muito bela. A voz de além Minho de Sara Louraço, até lhe imprime um aquel de fado, que a faz preciosa.
Como queira que levo más dum ano sem sair da casa, o meu pais,agora, fica aquí, comigo, a travês do vidro da janela, embafado às veces de chuvia, ou de bafo polo frio de fóra.
Ainda assim, com as fotos que vou tirando e algumhas que tinha de algum passeio anterior, compus este video que espero que seja do vosso gosto.
O meu pais. O cachinho do val de Vimianço que posso enxergar desde minha janela e a música de Luar na Lubre.

Com carinho, para vós: